terça-feira, 24 de junho de 2008

Algumas sinopses sobre "A Classe Operária Vai Ao Paraíso"

Adorado por seus superiores por ser um trabalhador extremamente dedicado e odiado pelo mesmo motivo por seus colegas de trabalho, Lulu vive entregue aos sonhos de consumo da classe média, alienado em meio aos movimentos de protesto de sua classe, até que um acontecimento põe em xeque suas opiniões.
http://melhoresfilmes.com.br/filmes/a-classe-operaria-vai-ao-paraiso

Lulu é um operário metalúrgico, que perde um dedo em acidente de trabalho e é envolvido em movimento de protesto. Descobre assim a vida sindical. Ele divide-se entre as tentações da sociedade de consumo e as convocações da esquerda tradicional, numa radiografia do impasse ideológico de muitos trabalhadores. Ganhou o prêmio David di Donatello 1972 de melhor filme, além da Palma de Ouro no Festival de Cannes 1972. http://www2.uol.com.br/mostra/30/p_exib_filme_355.shtml

O processo de conscientização política do operário Lulú é o eixo do filme, que de forma dialética, consegue fazer aflorar as contradições da condição do trabalhador sem cair na armadilha do filme panfletário. Ao mesmo tempo que Lulú se politiza é influenciado pela sociedade de consumo . Suas referências no processo de politização são três: o discurso extremista dos estudantes, a postura moderada e pragmática dos sindicalistas e, sobretudo, seu velho companheiro de trabalho, Militina, que devido ao trabalho da fábrica acabou enlouquecendo, indo parar em um manicômio.A alienação do trabalho no capitalismo é exposta de maneira brilhante na conversa de Lulú e Militina, onde este, em sua ‘loucura’, lembra-se do questionamento que fazia sobre a utilidade das peças que produziam. Ainda Militina é a principal referência na utopia que dá nome ao filme: o muro que precisa ser derrubado, dando acesso ao paraíso para todos os operários.A discussão de Lulú com o líder estudantil após ter sido demitido expõe a dificuldade em aproximar o discurso de esquerda da vida cotidiana dos trabalhadores: o coletivo se sobrepõe ao individual em uma sociedade onde o individualismo está arraigado.O filme só entrou em cartaz no Brasil no início dos anos 80, quando ocorria um afrouxamento da censura da ditadura militar, justamente no momento que renascia o movimento operário brasileiro com as greves do metalúrgicos do ABC. http://patuska.multiply.com/reviews/item/344

segunda-feira, 16 de junho de 2008

JODOROWSKY, O EXTREMO





Não é fácil suportar os filmes de Alejandro Jodorowsky. O cineasta chileno tem uma frase célebre em que diz que a maioria dos cineastas faz filmes com os olhos, ao passo que ele os faz com seus testículos. Por mais exagerada que a frase possa soar, é extremamente coerente com um certo sentido da obra de Jodorowsky, de um cinema em busca de seu lado mais instintivo de criação (ainda que ele os faça sem dúvida com os olhos, dada sua capacidade de criar imagens impressionantes em muitos sentidos). Seus filmes trabalham uma evolução interessante que está lá desde o começo de sua carreira, quando lida diretamente com parceiros mais próximos (como Fernando Arrabal), e vai, filme a filme passando a ser cada vez mais único e transgressivo.

Por maiores que sejam as qualidades de Fando y Lis, seu primeiro longa, não é difícil desmerecê-lo como mais um filme decalcado de Buñuel. Muitos elementos que viriam a se solidificar como parte da obra jodorowskiana já estavam presentes, como o caminhar por um espaço indefinido, a idéia da narrativa ser uma espécie de jornada. Mas ainda é claro que trata-se de um cinema muito identificado com um movimento, o que pode ser uma camisa de força quando o cineasta é tão livre como Jodorowsky. Figura cheia de misticismos, o autor de El Topo sempre possuiu uma visão forte e particular sobre os relacionamentos, a família, e principalmente sobre religião. Seu fascínio pelas relações passionais entre amantes e familiares percorre toda sua obra. O amor de Fando e Lis é apenas uma amostra de algo que viria a ser cada vez mais explorado mais a frente. Em El topo vemos a essência do sentimento de Jodorowsky logo em sua abertura, sensacional, quando vemos o pistoleiro – interpretado pelo próprio cineasta – que cavalga em seu cavalo negro ao lado do filho nu, interpretado por seu próprio filho, e vem informá-lo de que já havia completado sete anos, e era agora um homem. Junto dos dizeres, uma ordem: enterrar seu primeiro brinquedo e um retrato de sua mãe.

No próprio El Topo ainda existem outras imagens de relações passionais de maior interesse. Em meio a sua longa jornada, o pistoleiro El Topo irá em certo momento carregar consigo uma mulher que chamará de Mara. Depois de algum tempo juntos, ela lhe pede que prove seu amor enfrentando os quatro mestres do deserto, um desafio que ele aceita. A viagem pelo deserto, que começa como uma provação de amor, se desliga por completo deste sentido, tornando-se uma jornada para que ele se assuma de vez como uma figura divina. Já Mara passa a se sentir enciumada por uma pistoleira que passa a acompanhá-los no caminho. Esse sentimento inicial, no entanto, rapidamente se transforma em paixão. Ao fim deste ato da jornada de nosso herói, Mara finalmente escolherá entre os dois, metralhando El Topo.

A relação entre pais e filhos, que recebe algum destaque em El Topo, retorna com impacto em Santa Sangre, um de seus últimos trabalhos. Na obra mais abertamente cigana de Jodorowsky, um jovem que enlouquecera ao ver o pai decepar os dois braços da mãe e depois se matar, foge do hospício para se tornar os braços de sua mãe no circo. Mais uma vez dois de seus filhos entram em cena interpretando os protagonistas de cada um dos dois atos. Boa parte de Santa Sangre é basicamente sobre a jornada deste jovem para se desprender da imagem de sua mãe que não lhe permitia enfim estar livre. Trata-se de outro filme cheio de imagens fortes, com um conceito bem definido, mas onde o surrealismo instintivo já parece um pouco mais acomodado. A imaginação e capacidade de construção de Jodorowsky segue intacta, mas seu lado mais agressivo é deixado um pouco de lado. O filme também marca por ser uma obra mais definida, onde é possível traçar onde Jodorowsky queria chegar de forma direta. Uma das características mais fortes de seu cinema sempre foi o das imagens estarem num estado mais instintivo e indefinido. Em Santa Sangre mesmo as mais fortes cenas, como as com a cobra, aparecem de forma um pouco mais acomodada. O que não lhes tira toda a força, de forma alguma.

O aspecto religioso é algo presente em todas as obras de Jodorowsky, que sempre mostrou-se interessado neste mosaico de crenças que forma o mundo. Das mais variadas, entre deuses e seres divinos, o imaginário religioso povoa seus filmes, sendo talvez a questão principal em El Topo. Mas é em The Holy Mountain que se encontra seu filme mais diretamente aberto ao assunto. Sem dúvida o mais surrealista e porra-louca dos filmes do cineasta, Holy Mountain mostra sem pudores as mais variadas formas de religião e crenças, apontando para o vazio que se constrói em torno de tantas delas. O menos narrativo de seus filmes segue uma figura com a aparência de Cristo, que caminha por cidade em que os mais variados eventos sensacionalistas estão ocorrendo, num mundo dominado pelo fascismo. Em certo momento, após ser alcoolizado, ele é jogado em meio à um zilhão de bonecos com a imagem de Cristo. Após ter um acesso de ira, ele tenta carregar uma destas imagens para uma igreja, mas é expulso dela. A figura acabará se encontrando com um alquimista, conhecerá a história de outras figuras divinas que vieram de outros planetas e se juntaram numa jornada em busca da montanha sagrada que guarda o segredo da imortalidade. Mas isso tudo ocorre na última meia-hora de um filme de duas horas. Todos os seres divinos possuem uma imagem como as de Cristo, e antes de partirem em sua jornada eles precisam queimá-las. Ainda há pelo menos uma seqüência inacreditável, quando Jodorowsky encena com lagartos e sapos uma espécie de reino, com direito inclusive a figurino para os anfíbios. A cena termina com uma explosão e sapos fugindo de um vulcão de sangue. Feito após o sucesso de El Topo, Jodorowsky aproveitou a oportunidade de somar financiamento e liberdade, realizando um filme único em todos os sentidos. É muito difícil definir qualquer coisa em Holy Mountain, é uma coleção de imagens sinistras, arquitetadas com um apuro rigoroso. Pode não ser o melhor trabalho do cineasta, mas é de longe o que mais apresenta a essência dele, da sua busca pelo limite. É o supra-sumo do cinema extremo.

Mas voltemos à sua obra-prima, El Topo. Produzido como um faroeste spaghetti, o filme lida com diversas situações do gênero ao seu modo. O filme acompanha a jornada dessa figura divina que o cineasta encarna em cena, que cavalga por cidades destruídas, duela ao estouro de um balão, se auto proclama Deus quando aplica sua justiça à um coronel fascista: a castração. Em certo momento, é possível até mesmo acreditar que ele realmente o seja, não só pela forma destemida como enfrenta os fascistas, mas como quando transforma a água salgada em doce para que sua amante beba. Mas aos poucos Jodorowsky vai desfazendo essa imagem, e vamos percebendo uma figura perdida, em busca de algo. Esta é a jornada de El Topo pelo deserto surrealista de Jodorowsky. Sua busca pelos duelos com os quatro mestres do deserto que começam como uma prova de amor a sua amante evoluem rapidamente para uma busca dele próprio, talvez uma forma de descobrir e aceitar sua condição de ser divino. O primeiro mestre que enfrenta é o mais fascinante dos quatro, um homem cego que não teme as balas e por isso não pode ser atingido. Elas batem em seu corpo e caem no chão. O mestre é assessorado por um duo formado por um homem sem braços e outro sem pernas, unidos por um laço. Pessoas deformadas e decapitadas são figuras constantes na obra de Jodorowsky, que era fascinava por estas figuras e sua imagem. Os duelos sempre fogem da obviedade, acontecendo de formas bem diferentes umas das outras. O quarto e último mestre é um velho que trocou sua arma por uma rede de catar borboletas. Os tiros ricocheteiam na rede e retornam na direção de El Topo. Incapaz de vencê-lo, ele escuta do velho que não mais teme a morte e prova isso ao se matar.

A jornada de El Topo não termina aí, nem quando é baleado por sua amante que o troca por uma pistoleira. Atingindo um êxtase incomum, ele é abandonado desacordado por elas e é salvo por um grupo de seres abandonados pela sociedade. Anos se passam e El Topo finalmente acorda de seu longo exílio. Ele já não parece o mesmo, inclusive fisicamente. Ele descobre que aquelas pessoas deformadas eram abandonadas dentro de um túnel por serem filhos de incestos, e assume como sua missão divina libertá-los. Para isso sobe com uma mulher anã até a cidade e a descobre devastada por mais figuras fascistas, que adotam um símbolo que em muito se assemelha ao da maçonaria. Neste terceiro ato, vemos alguns dos momentos mais brilhantes da obra de Jodorowsky, como quando filma cenas de comédia ao estilo cinema mudo, nos números que a dupla encena em busca de dinheiro. É quando fica evidente o controle e o talento deste cineasta, capaz de se reinventar a cada seqüência. O final explosivo é fascinante e único, fechando um ciclo iniciado na primeira cena do filme, e abrindo caminho para o mundo que ali seguiria com aquele cavalo, montado pelo filho de El Topo, a anã e seu novo filho.

O aspecto estético de El Topo, que busca sempre uma imagem clássica dos faroestes italianos, sem os piores tiques daquele gênero, pode enganar sobre esta faceta de Jodorowsky. Ainda que sejam inúmeras as imagens de muito poder visual no filme, é até possível crer que não se está diante da obra de um esteta. Já nas primeiras imagens de Holy Mountain essa idéia se dissipa, com o cineasta mostrando um rigor especial na construção dos quadros, suas cores e texturas. Santa Sangre também retoma este cuidado visual mais apurado, parecendo em alguns momentos uma pintura surrealista em movimento. Artista multifacetado, palhaço de circo, dramaturgo, autor de inúmeros livros e graphic novels, vidente profissional: o homem que usava os olhos para filmar com os testículos.


Guilherme Martins


http://www.contracampo.com.br/82/festjodorowsky.htm

segunda-feira, 9 de junho de 2008


Quanto vale ou é por quilo?
Direção: Sérgio Bianchi (2005)

Por Marta Kanashiro

"O que vale é ter liberdade para consumir, essa é a verdadeira funcionalidade da democracia". Proferida pelo ator Lázaro Ramos – em "Quanto vale ou é por quilo?", filme de Sérgio Bianchi – a frase traz uma entre as muitas questões apresentadas pelo cineasta paranaense, que são fundamentais para aqueles que desejam refletir mais seriamente sobre desigualdade, direitos e capitalismo na atualidade.
Assim como em "Cronicamente inviável", Bianchi apresenta a realidade de forma tão crua e chocante que novamente a crítica o tem rotulado como niilista ou catastrofista, rótulos que tanto limitam a visão de realidades de fato existentes, quanto revelam o desejo de continuar mantendo-as recalcadas. Bianchi parece nos dizer que é impossível ficar diante ou atento a essa realidade de disparidades sem o choque ou o constrangimento, e que talvez essas sensações sejam de alguma forma produtivas para tirar algumas pessoas de um mundo mágico, recheado de slogans em prol da solidariedade e da responsabilidade social.
Livre adaptação do conto "Pai contra mãe" , de Machado de Assis, o filme traz à tona a permanência na atualidade de nosso passado escravista, deixando clara a impossibilidade de olhar o presente sem levar esse passado em conta, assim como as persistentes desigualdades econômicas, sociais e de direitos no país. Na medida em que o conto machadiano é adaptado para a atualidade – nas figuras de Candinho, Clara, tia Mônica e Arminda – Bianchi mostra o elo imprescindível com a História para uma visão crítica da atualidade.
No entanto, para aqueles que ainda não leram o conto de Machado de Assis, o elo fica realmente claro quando Bianchi utiliza como recurso os paralelos com as crônicas de Nireu Cavalcanti, do final do século XVIII, extraídas do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Os cortes entre a adaptação do conto e esses documentos do Arquivo Nacional produzem quase que choques sucessivos no espectador, na medida em que igualam a violência, a noção de que pessoas podiam ser propriedade de outras, ou a lógica do lucro do sistema de escravidão no Brasil, ao que hoje é produzido com relação aos excluídos e marginalizados em nossa sociedade.
Mas se por um lado o filme afirma que há reminiscências que nos são constitutivas, também abarca sua incorporação e complexificação nos dias atuais: a miséria ou a prisão como economicamente rentáveis e geradoras de emprego, a solidariedade como empresa ou até mesmo a denúncia como um negócio. No atual jogo "democrático" e de "participação" da sociedade civil em prol de demandas não atendidas pelo Estado, as ongs - ou o terceiro setor, como se convencionou chamar - aparecem no filme funcionando como empresa, incorporando seu discurso típico e objetivando, enfim, o lucro. Responsabilidade social ou solidariedade são exaltadas e mobilizadas como marketing dessa nova indústria que gerencia a miséria e os miseráveis. A crítica ácida de Bianchi recai, portanto, sobre aquilo que muitos têm entendido como solução ou alternativa para os dilemas inerentes ao capitalismo – as ONGs.
Sem freios, tal acidez pode voltar-se inclusive sobre o próprio filme que, no limite, ao tematizar o uso econômico da miséria, faz da denúncia seu negócio. Mas essa possível autofagia encontra como limite o choque do espectador, a proposta de retirá-lo daquele mundo mágico, da inércia confortante dos que criticam e apresentam uma nova proposta ou solução ao final. Sem solução, sem proposta, Bianchi termina o filme com dois finais possíveis, dando a entender que mesmo que não sejam apenas aquelas as opções, é o espectador que dará novos desfechos para a nossa História.
Ao final da sessão, na sala 4 do Espaço Unibanco, na capital paulista, a platéia parecia não conseguir se erguer das poltronas, o silêncio era fúnebre, de fato alguém tinha retirado o nosso chão. Precisávamos reconstruí-lo para poder nos erguer. Uma dupla de senhoras tentou resolver a questão da forma mais fácil dizendo: "O filme é pura promoção do conflito". Pois é, ficou tudo tão evidente que para alguns é preferível imaginar que o conflito ainda não está posto no cotidiano brasileiro.